segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"A Estrada" - Um Reflexo da Vida?

Como seria sua vida se a esperança sumisse de repente, e a dor do passado feliz fosse uma torturante lembrança cortando a possibilidade de futuro senão a morte certa?
Essa é a premissa do chocante filme ‘A Estrada’ (The Road - 2010).

Dois personagens sem nome, a saber, pai e filho, cortam o país rumo ao sul como única forma de evitar, ou pelo menos prolongar a morte. O mundo passou por um apocalípse qualquer que culminou no final da vida na Terra como a conhecemos. Não há mais água potável, cada nascente, riacho ou mesmo a chuva, tornaram-se o oposto do que sempre foram. A vida, que o homem disse ter começado na água, morreu nela mesma.

As plantas não existem mais, senão galhos secos e sem vida, os animais sumiram do planeta completamente, existem terremotos constantes e quase diários. E o homem, na verdade a pouquíssima parcela da população mundial que restou, tornou-se necessariamente canibal (literalmente), pois sem plantas e sem caça animal, viu-se ‘obrigado’ a alimentar-se de seus semelhantes para sobreviver.

O cenário do filme é o mais caótico possível, em alguns momentos lembra-nos Mad Max, ou o Livro de Eli, porém sem o certo ‘espírito aventureiro’ que esses filmes carregam. ‘A Estrada’ é cinzento, desesperançoso e totalmente focado na percepção desses dois personagens do que resta da vida.

Viggo Mortensen (de O Senhor dos Anéis) e Kodi Smit-McPhee, vivem fugindo de seu próprio destino, fogem da morte a cada passo enquanto dormem em casas abandonadas, carros acidentados, barracas mal cerzidas e até cavernas. A todo o momento as lembranças da vida feliz ao lado da esposa (Charlize Theron) chegam ao ‘pai’ como fantasmagóricas alucinações, gotas de falsas esperanças.

Ela, depois de parir seu filho em casa imposto pela necessidade e tentar conviver nessa nova perspectiva de vida, decide suicidar-se sem portar arma, simplesmente caminhando da própria casa para qualquer lugar longe dali, nesse mundo, o simples fato de andar sozinho a noite é sentença mortal, principalmente para uma bela jovem desacompanhada.

A cada passo, pai e filho deparam-se não apenas com as tragédias ‘naturais’ que envolveram o cataclisma, mas também com a negritude da alma do ser humano, que sem chance de mudança está afundada na sua própria essência maléfica.

Homens são caçados como prato principal, acomodados vivos em porões como carne numa dispensa. A possibilidade de confiança simplesmente deixou de existir. A paranóia, o medo, a desgraça tomaram o lugar de qualquer outros sentimentos positivos.

O homem já vive assim aparentemente há 8 ou 10 anos e a fé morreu junto com cada religião que pregasse um porvir dourado. O pai, um pária em si mesmo, costuma enxergar seu próprio filho como um deus, já que é ele quem o motiva a sobreviver e ver algo de positivo naquela podridão, mas ainda assim porta um revólver, com duas únicas balas, que em momentos de tragédia, na iminência de rapto por parte de algum canibal, ou outro malfeitor, fariam uso para o suicídio, coisa que ensaiam o filme inteiro.

A obra, adaptado dum texto de Cormac McCarthy,  que ganhou por essa obra um‘Pulitzer’ (Oscar do jornalismo/literatura) de 2007 e dirigido pelo australiano John Hillcoat, é a imagem da crueldade e o retrato do pior que o homem pode se tornar num mundo onde tudo em que se acreditava; família, amor, felicidade, fé, virou cópia de um cenário imaginado apenas pela mente dum Dante. Ou ainda, reflete o que está dentro de cada ser, de cada homem ou mulher. Parece que a mensagem que o filme apresenta, nos mostra quem somos se em nós não houvesse o mínimo de humanidade, ou dos sentimentos que nos orgulhamos de portar.

Quem sabe esse ser humano retratado na película exista aqui, no mundo real, aguardando apenas uma deixa para eclodir. Quem sabe, fora pra nos livrar desse cenário negro, que um Menino se nos deu e um Filho nos nasceu. A Esperança não deve habitar numa arma que carregamos por anos a fio, ou num casamento feliz, ou mesmo num filho, mas sim numa certeza de existência independente do desenrolar dos fatos.

Destaco nesse filme a curta, porém brilhante atuação do veterano ator Robert Duvall, também a caracterização de Mortensen e de Kodi (as imagens deles no banho choca pela fragilidade e debilidade de corpos de quem simplesmente se acostumou a não comer e enganar a morte como se pode) e a excelente fotografia a cargo de Javier Aguirresarobe, indicado ao Bafta (Prêmio britânico de cinema e TV) nessa categoria .

Assista sem preconceitos e desafie-se a pensar em como seria sua vida se tudo o que te cerca fosse obliterado ou roubado por algo mais forte que a própria certeza do amanhã.

Wendel Bernardes.



Indicação e sugestão de Adriana Curdoglo.

2 comentários:

Adriana disse...

É o homem pós moderno falido tal qual o moderno.
Se a nossa esperança está no que temos de concreto, triste criaturas somos.


abração

Anônimo disse...

Embora o tempo passe, somos apenas meras reinvenções de nós mesmos, com os mesmos defeitos, erros e acertos...

A Esperança precisa ser renovada não em nós mesmos, pois a humanidade já provou ao longo desses milênios que vive numa roda viva de acontecimentos errôneos...

Minha Esperança está além!
Beijos Drí, tomara que tenha curtido!

Wendel (deslogado como sempre)