Quando assisti ao filme “O Ensaio Sobre a Cegueira” (Blindness, 2008), adaptação da obra do polêmico Saramago, fiquei chocado.
O filme é perfeito como obra (assisto filmes e leio livros
entendendo-os como obras distintas), pois sua linguagem é absolutamente
diferente. Nesse caso não li o livro, mas entendo completamente o que o autor
quis dizer.
Em lugar qualquer, onde pessoas vivem suas vidas num
corre-corre continuo, num dia comum, uma doença misteriosa (que posteriormente
seria conhecida como “Cegueira Branca”) assola sua primeira vítima,
aparentemente de forma ocasional e aleatória. Aos poucos a desgraça atinge uma
grande fatia da população e mesmo os esforços mais contundentes mal conseguem
entender a origem da doença, quiçá curá-la.
A loucura generalizada e o caos comum atingem aos habitantes
e logo a única alternativa encontrada pelos gestores do lugar é segregar os
contaminados em locais específicos... Prisões para ser mais exato.
Esses lugares são dominados pelos mais cruéis e negros
sentimentos humanos e também pelas ações que esses sentimentos levam. Invejas, traições,
mentiras, motins, estupros, roubos... assassinatos! Crimes se misturam a sentimentos
comuns onde a única regra é sobreviver e nem sempre com honestidade e
dignidade.
O filme foi dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles de Cidade de Deus (2002) e O Jardineiro Fiel (2005). Meirelles
contou com a participação de atores muito experientes como Danny Glover, também
com atores muito solicitados como Gael Garcia Bernal e Mark Ruffalo. Inseriu a
brasileira (já famosa lá fora) Alice Braga (de Predadores 2010, Repo Men
2010, Eu Sou a Lenda 2007).
Mas o papel de destaque talvez fique mesmo com a ótima atriz
Julianne Moore. A personagem de Moore é estranhamente a única pessoa (dentre os
presos) não afetada pela moléstia, mas por conta do profundo amor pelo marido e
de sua noção de fidelidade e compromisso, aliado a um extinto senso de misericórdia
faz-se de cega para não abandoná-lo a miséria completa. A personagem de Moore poderia
viver simplesmente como uma deusa entre mortais, mas é exatamente sua índole que
a faz mais uma defensora que uma imperatriz.
O filme ao mesmo tempo em que mostra sem pudores a vergonha
dos piores sentimentos humanos, mostra também que a esperança pode ser
encontrada onde menos improvável seria de se imaginar; dentro do próprio enganoso
e confuso coração do homem.
Quem sabe mesmo na sua mais profunda ausência de fé nalgo
sobrenatural, Saramago sem querer, apontou pra uma possibilidade única: Seria
essa fagulha de luz em meio às trevas humanas algo divino?
O filme foi indicado a
várias premiações, e se as ganhou o fez com méritos. A direção de Meirelles em
nada lembra o modo estadosunidense de fazer cinema, quem sabe por conta disso
acerta em cheio. Cenas
desalinhadas, closes vertiginosos, planos que desnudam. Tudo combinado com boa
fotografia, locações excelentes fazendo da obra algo que ficará para a
posteridade.
Me surpreendeu a bilheteria aqui no Brasil (algo em torno 787.000
ingressos). Surpreendeu-me ainda mais as possibilidades que a obra tem como
poder reflexivo.
Quem somos quando ninguém nos observa?
O que fazemos quando estamos longe da vista da sociedade como
um todo?
O que há de mal, o que sobra de bom?
Refletindo...
Wendel Bernardes.