quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Sangrando e Sendo Curado...

 
Quando eu soltar a minha voz,  por favor  entenda, que palavra por palavra, eis aqui uma pessoa se entregando...

Caramba! Para mim, esse fragmento de poesia - tristonha mas curativa - reflete exatamente o que aconteceu. Foi assim que eu visualizei a chegada de Gonzaguinha naquele ambiente que seria permeado de flashbacks. Numa regressão terapêutica, ele simplesmente se entrega àquela busca por respostas a uma enorme inquietude interior.
Tudo começa quando, impulsionado pela madrasta,  o esperançoso filho vai ao encontro do pai para poder se encontrar. Ele ainda não sabia disso pois seu coração estava cheio de amargura. Porém, à medida em que conversavam, diferenças amenizadas, arestas aparadas... A amargura se esvaía. E eles nem atinavam para isso! E, quanto mais barreiras iam sendo naturalmente rompidas, maior leveza se instalava. E os laços se reintegrando... E os reais valores aflorando... E o menino foi ficando em paz. Analogamente, talvez ele nem soubesse que essa era a ideia: ir em busca do pai e aquietar o coração. Porque essa sempre foi e sempre será a grande sacada da vida.
Gonzaguinha... Olhar perdido, entristecido, introspectivo. Sem mãe, sem pai, sem família, sem infância, sem referências. Entregue a amigos do pai enquanto o pai perseguia um estranho sonho.
Gonzagão. Este era o seu pai. Famoso. Reverenciado. Adorado pelo povo. Este homem obstinado que atravessou as fronteiras dos corações dos quatro cantos do Brasil, mas não abriu o próprio coração nem tampouco alcançou o coração que importava alcançar. O do filho.
Este era o pai de Gonzaguinha que seria desde sempre, o centro de suas crises existenciais. A mãe, não. Era caso resolvido. Já estava ausente. Já havia ido embora para sempre. Fica apenas a triste saudade. Sua grande frustração era a certeza de um pai omisso e egoísta tão presente e tão distante. Este pai, que ainda adolescente,  persegue sua meta esquecendo-se dos valores principais, obcecado em provar que não era um ‘sem eira nem beira’.
E, assim, enquanto se desenrola a história da vida do pai, se revela na alma do filho a ânsia de todo ser humano: sarar as feridas, remir as dores, reatar os laços, resgatar a vida. E isso só se consegue quando se está decidido, pois que  é efetuado o querer em nosso coração.
E isso foi o que quis o poeta. Ele sai de um falso habitat e segue rumo às suas raízes. Enfrenta a capa de superioridade de um pai envolto no glamour e consegue conduzi-lo ao foco de sua perseguição, trazendo à tona sua emoção mais escondida. É quando tudo acontece. É quando cai a ficha. É quando ambos se curam de suas feridas mais doridas. O pai que reconhece, se humilha e, simplesmente, pede perdão. Eis o clímax! Momento denso. Desconcertante. (A forte impressão que me causa é que a plateia em cheio para de respirar no exato momento, em perfeita sintonia de orquestração, ao mesmo tempo gritante e silenciosa).
Há, ainda, a preciosa figura da conselheira que, muito mais do que uma simples doméstica, desempenha com maestria o papel de sábia conciliadora. De um lado, trata de acalmar o coração do filho, revoltado com um pai meramente provedor;  de outro lado, sacode o pai artista/sonhador chamando-o a razão para o que há de mais precioso na vida.
Aliás, são duas as mulheres marcantes nesse reencontro. A primeira - lá do início - faz papel de intermediadora como querendo se redimir. Ela diz: seu pai precisa de você – mesmo sem nunca ter percebido o quanto ele precisou do pai e sem sequer imaginar que assim estaria unindo a ambos.
Tudo é um processo. Impressiona o desenrolar dos conflitos interiores do filho que culmina com o pedido de perdão por parte do pai desconfiado, omisso e egoísta. Não há segredo nem mágica. Há disposição, entrega, desarmamento total. O perdão e o amor fecham a questão.
Há o filho que insiste em procurar o pai, ainda que todo desmontado, ferido, mas em busca de respostas. E por amor, unicamente. O pai, por sua vez, após um longo período de teimosas racionalizações para o glamour em que vive, finalmente cai em si e, reconhecendo as tremendas vaciladas, diz: filho, me perdoa. Pronto, ali toda a dor se neutraliza. Porque há CURA.
Filme de fotografia impecável, a irônica reflexão fica por conta do final, onde um singelo juazeiro dá sombra aos dois que se reconciliam em frente à casa abandonada do poderoso coronel que provocara o pai de Gonzaguinha a sair mundo afora. Para ‘provar’ o que era vão...


Regina Farias é Blogueira e escritora e é autora deste texto visceral e de muitos outros no Blog Bora Ler

4 comentários:

Regina Farias disse...

W.

Adorei as ilustrações, principalmente no final, quando sua percepção de crítico de cinema estabelece a devida diferença entre a análise dos dramas dos personagens e os contextos de produção.

Sem querer tirar o mérito de RC, você é o cara rsss

Valeu d+!

Deus o abençoe e a toda sua família!!!

R.

Wendel Bernardes - Cinema Com Graça disse...

Menina... nesse caso aqui, os méritos são todos seus!

Ah.. e sobre a 'musiquinha' do RC, ele num surto de criatividade compôs o refrão pensando em mim... É isso!

Beijos e muito grato pela sua generosidade comigo SEMPRE!!!

Regina Farias disse...

ha ha ha ha ha tu és uma onda ;)

Wendel Bernardes - Cinema Com Graça disse...

Ví o filme duas vezes nos últimos dias... A cada vez que assisto, me emociono como na primeira!