terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Ensaio Sobre a Cegueira...




Quando assisti ao filme “O Ensaio Sobre a Cegueira” (Blindness, 2008), adaptação da obra do polêmico Saramago, fiquei chocado.
O filme é perfeito como obra (assisto filmes e leio livros entendendo-os como obras distintas), pois sua linguagem é absolutamente diferente. Nesse caso não li o livro, mas entendo completamente o que o autor quis dizer.

Em lugar qualquer, onde pessoas vivem suas vidas num corre-corre continuo, num dia comum, uma doença misteriosa (que posteriormente seria conhecida como “Cegueira Branca”) assola sua primeira vítima, aparentemente de forma ocasional e aleatória. Aos poucos a desgraça atinge uma grande fatia da população e mesmo os esforços mais contundentes mal conseguem entender a origem da doença, quiçá curá-la.

A loucura generalizada e o caos comum atingem aos habitantes e logo a única alternativa encontrada pelos gestores do lugar é segregar os contaminados em locais específicos... Prisões para ser mais exato.

Esses lugares são dominados pelos mais cruéis e negros sentimentos humanos e também pelas ações que esses sentimentos levam. Invejas, traições, mentiras, motins, estupros, roubos... assassinatos! Crimes se misturam a sentimentos comuns onde a única regra é sobreviver e nem sempre com honestidade e dignidade.

O filme foi dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles de Cidade de Deus (2002) e O Jardineiro Fiel (2005). Meirelles contou com a participação de atores muito experientes como Danny Glover, também com atores muito solicitados como Gael Garcia Bernal e Mark Ruffalo. Inseriu a brasileira (já famosa lá fora) Alice Braga (de Predadores 2010, Repo Men 2010, Eu Sou a Lenda 2007).


Mas o papel de destaque talvez fique mesmo com a ótima atriz Julianne Moore. A personagem de Moore é estranhamente a única pessoa (dentre os presos) não afetada pela moléstia, mas por conta do profundo amor pelo marido e de sua noção de fidelidade e compromisso, aliado a um extinto senso de misericórdia faz-se de cega para não abandoná-lo a miséria completa. A personagem de Moore poderia viver simplesmente como uma deusa entre mortais, mas é exatamente sua índole que a faz mais uma defensora que uma imperatriz.

O filme ao mesmo tempo em que mostra sem pudores a vergonha dos piores sentimentos humanos, mostra também que a esperança pode ser encontrada onde menos improvável seria de se imaginar; dentro do próprio enganoso e confuso coração do homem.
Quem sabe mesmo na sua mais profunda ausência de fé nalgo sobrenatural, Saramago sem querer, apontou pra uma possibilidade única: Seria essa fagulha de luz em meio às trevas humanas algo divino?

 O filme foi indicado a várias premiações, e se as ganhou o fez com méritos. A direção de Meirelles em nada lembra o modo estadosunidense de fazer cinema, quem sabe por conta disso acerta em cheio. Cenas desalinhadas, closes vertiginosos, planos que desnudam. Tudo combinado com boa fotografia, locações excelentes fazendo da obra algo que ficará para a posteridade.

Me surpreendeu a bilheteria aqui no Brasil (algo em torno 787.000 ingressos). Surpreendeu-me ainda mais as possibilidades que a obra tem como poder reflexivo.
Quem somos quando ninguém nos observa?
O que fazemos quando estamos longe da vista da sociedade como um todo?
O que há de mal, o que sobra de bom?
Refletindo...

Wendel Bernardes.